Foto Ana Lia Rodrigues |
CUYAVERÁ MAGIC OESTE WORD
Por Everton Britto.*
A capital do Pantanal, também conhecida como a capital do
lucrativo agronegócio, onde em um mesmo Estado articulam diferentes
ecossistemas (Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica), foi “agraciada” no final
do ano de 2016 com mais uma obra inaugurada antes da conclusão. O prefeito que
esteve no poder por quatro anos quis deixar algumas plaquinhas pela cidade,
mostrando que arregaçou as mangas e trabalhou pela “Cidade Verde”, título há
muito tempo dado pela mídia governamental, mas será que merecemos? – A obra em
questão é a revitalização da Orla do Porto de Cuiabá.
Ainda guri, vim morar em Cuiabá, era verão de 1996, saía
do interior para a cidade grande e tudo era tão grande no meu pequeno olhar.
Lembro-me da visita ao Mercado Municipal do Porto e lembro-me de um almoço em algum
flutuante no rio Cuiabá do lado das margens de Várzea Grande, era possível ver
os esgotos caindo no rio. Essa imagem marca o meu olhar de criança, de lá pra
cá não me lembro de grandes ações em favor do rio, algumas ações isoladas de limpezas
da margem do rio feitas por escolas e entidades não governamentais em que tive
o prazer de participar de algumas. Reforma de pracinhas, a construção de mais
uma ponte, ampliação de outra para passar o VLT e só, porém o rio que dá o nome
para a cidade sempre me pareceu esquecido pelos governantes. Na escola, aprendi
que devemos preservar a natureza, os rios, as matas e isso não é só um
exercício de bondade é uma necessidade para a continuidade da humanidade.
Eis que resolvem olhar para um dos cartões postais mais
importantes da Capital, tudo isso em decorrência do progresso prometido pela Copa
do Mundo de 2014. O projeto era lindo! Uma orla que ajudaria na preservação do rio
e revitalizaria a área em torno para que a comunidade se sentisse segura e ocupasse
esse espaço junto à natureza. As projeções nas maquetes virtuais eram de encher
os olhos e o coração de esperança, mas a verba foi desviada e a Copa passou.
Processos de adaptação da obra, mais dinheiro público – a primeira verba a quem
se destinou? – e, praticamente passando a faixa de prefeito para o sucessor, a
obra é inaugurada com um grande show nacional.
Na semana seguinte a inauguração os primeiros problemas
vem à mídia: faltam lixeiras e o lixo dos visitantes se acumula por toda parte,
os postes de iluminação não foram chumbados, o lindo cenário para o povo é um
grande espaço de obras. Passado algum tempo, finalmente vou visitar e vejo um
descaso com o rio, com os animais, com a Cuiabá antiga, com os moradores do
Porto e com os moradores de rua. O esgoto continua lá a céu aberto jogando lixo
no rio, vi peixes se alimentando de enormes excrementos, os moradores de rua
viraram guardadores de carros. Vi uma maquete que reproduz os lindos casarões
cuiabanos, o espaço deveria servir de ponto de encontros com informações
históricas e de turismo, com acesso Wi-Fi, tomadas e espaço para a contemplação
do rio.
A maquete dos casarões antigos onde todos querem fazer
uma selfie, já apresenta infiltrações apenas 4 meses depois de inaugurada, as
tomadas e o Wi-Fi nunca funcionaram nas oportunidades em que estive por lá.
Deixando de lado os problemas estruturais que a obra apresenta, podemos pensar noutros
fatores que tangem a obra. Os casarões tentam reproduzir os que estão no centro
velho da cidade, mas os do centro histórico estão abandonados em sua maioria,
ruínas que impossibilitam uma boa selfie e nos obrigam a transitar por lugares
“perigosos”. Há também misturas arquitetônicas, janelas de estilos diferentes
que não fazem parte da história da cidade. E de dia é um dos poucos lugares que
se pode parar, pois falta sombra em toda orla.
O calçadão foi ampliado para atender mais visitantes e
implantar alguns comércios, e no processo foram derrubadas algumas árvores da
margem do rio e outras árvores sofreram podas assassinas, em decorrência do
descaso com a natureza alguns sinais já são visíveis da degradação ambiental. Em
vários locais o solo está afundando, a terra aos poucos vai em direção ao rio e,
segundo especialistas, se nada for feito uma grande chuva pode contribuir para
sumir boa parte da orla revitalizada. Nesse cenário desanimador podemos
encontrar uma felicidade?
Várias árvores foram plantadas. Ufa! Palmeiras imperiais
margeiam a orla embelezando ainda mais o cartão postal. O problema é que as
lindas palmeiras não fazem sombra, o problema é que as lindas palmeiras não são
nativas, o problema é que restaram poucas árvores nativas que tem a
possibilidade de fazer sombra, o problema é que quem projetou não deve sair de
dentro do seu carro com ar condicionado, o problema é que não têm como caminhar
em Cuiabá sem a sombra das árvores. Um lindo lugar para visitar após às 18h, um
lindo lugar para registrar os peixes se alimentando de fezes, um lindo lugar
para fazer selfies com as palmeiras imperiais nativas, um lindo lugar para
conhecer um pouco mais dos lindos casarões abandonados de Cuiabá, um lindo
lugar que está desmoronando, um lindo lugar para pensarmos política, um lindo
lugar para vivermos o agora.
A intervenção urbana Cuyaverá Magic Oeste Word realizada no
dia 8 de abril na orla do Porto de Cuiabá pelo Coletivo a Deriva, fruto da
disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas: Atrações Temporárias e
Estéticas Emergentes na Cidade do programa de Pós Graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea – ECCO, da Universidade Federal de Mato Grosso,
ministrado pela professora Doutora Maria Thereza Azevedo, possibilitou aos
transeuntes e aos internautas das redes sociais, que de alguma forma dialogaram
com a intervenção, uma reflexão sobre política, natureza e arte.
A intervenção teve início alguns dias antes pelas redes sociais.
Divulgamos um pacote turístico ao estilo parque de diversão temático. Convidávamos
a população para aproveitar as maravilhas que fazem parte da orla revitalizada:
O Pacu, a Onça Pintada, o Tuiuiu e
muitas lendas do Porto estão te esperando no Cuyaverá Magic Oeste Word! Divirta-se
explorando a incrível flora nativa composta de belíssimas palmeiras imperiais,
viaje com tranquilidade e segurança pela maquete em tamanho real das fachadas
dos casarões que estão no centro histórico da cidade abandonados. Expie os
peixes do lindo rio Cuiabá se alimentando de esgoto e ainda descanse nas
sombras das lindas árvores que compõem um dos principais cartões postais da
cidade. O Passeio guiado será no dia 8 de Abril, data em que comemoramos mais
um ano da capital do Pantanal, esperamos vocês a partir das 08 horas da manhã,
depois do tchácobolo! Descontos especiais no ingresso pra quem registrar os
belos buracos que fazem parte do seu trajeto. (Texto divulgado nas redes
sociais).
Durante o processo de construção da intervenção, fomos
provocados a refletir a nossa relação com o corpo que habita essa cidade, a
construir desvios que possibilite sair da rota fixa buscando assim, uma crítica
ao modo de operar capitalista. Escolhemos um fragmento dentre vários levantados
em debates – revitalização da Orla do Porto – nos apoiamos em relatos de
memórias e nas intervenções governamentais operadas naquele espaço, num
processo colaborativo, nos propusemos a construir um olhar crítico que de
alguma forma colaborasse para um deslocamento no olhar do cidadão que vive a
cidade.
Essa necessidade de intervir / ocupar / existir / resistir se constrói conforme percebemos que os
gestores públicos não levam em consideração a necessidade do povo, da cidade e
da natureza. Obras são realizadas a custo de muitos desvios e de forma
impactante para os que os cercam. A sensação que nos toma conta é que estamos
de escanteio para que as selfies sejam bonitinhas. Para Guattari (1986, 1992) o
capitalismo é caracterizado por um determinado modo de produção de
subjetividade: “a
subjetividade no mundo atual permanece massivamente controlada pelos
dispositivos de poder e de saber, que colocam as inovações técnicas,
científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da sociedade.” (COSTA,
MAGALHÃES, 2011).
Somos uma multiplicidade em constantes
atravessamentos rizomáticos que nos compõe e nos atualiza o tempo todo, entendendo
a subjetividade como matéria-prima de produção e que esse processo é
inseparável do processo de produção do mundo faz-se necessário criar desvios
para que a subjetividade singular não seja engolida pela subjetividade
capitalística, buscando assim criar os próprios modos de referência, as
próprias cartografias, inventar práxis que possibilitem brechas na
subjetividade dominante.
O mundo capitalista engendra o modo como o homem se
relaciona com o seu corpo e com o meio, um movimento que reduz o homem a
engrenagem de um sistema que deve trabalhar sem afrouxar os parafusos, não
sobra espaço para outro movimento, nos vemos reduzidos a seres manipulados como
fantoches que operam e trabalham para a manutenção do sistema. O homem é visto
como número, como força de trabalho comercializável em detrimento de um
processo existencial que tenta impedir a construção de novos modos de
sensibilidade de relação com o outro, com o meio e consigo. A recusa desse
sistema opressor possibilita o processo de singularizar.
A intervenção urbana Cuyaverá Magic Oeste Word foi
a forma que encontramos para dialogar com as intervenções da subjetividade
dominante que vem ocorrendo em nossa cidade. Propusemo-nos a uma ruptura e
reapropriação sobre a subjetividade capitalística. “Nessas produções de subjetividades não hegemônicas, rompe-se com o
território fechado do instituído, da neutralidade e dos regimes de verdade pré-estabelecidos,
fechados e hierarquizados” (Coimbra apud COSTA, MAGALHÃES, 2011). Foi uma
forma de resistência e de recusa ao que está posto, ao cenário Magic, a violência à natureza, ao homem
engrenagem, as formas de ocupar e viver a cidade, buscando uma forma de se
libertar do controle asfixiante da ordem capitalística.
Referências:
COSTA,
Joana Dar’k e MAGALHÃES, Maria Janilce Oliveira. Cartografias da Subjetividade Contemporânea. 16° Encontro Nacional
ABRAPSO, UFPE, Recife – PE, 2011.
BERENSTEIN
JACQUES, Paola.Corpografias Urbanas.
IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, Faculdade de
Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil, 2008.
GUATTARI,
Félix e ROLNIK, Suely. Micropolítica:
Cartografias do Desejo. Vozes: 4°Edição, Petrópolis – R J, 1996.
ASSUNÇÃO,
Thaiza. MPE investiga risco a usuário;
Prefeitura terá que dar solução. Em Cotidiano/Orla do Porto. Disponível em:
< http://www.midianews.com.br /cotidiano
/mpe-investiga-risco-a-usuario-prefeitura-tera-que-dar-solucao/293362 >.
Acesso em 12 de maio de 2017.
Pacote Turístico Cuyaverá Magic Oeste World, Disponível em: <https://www.facebook.com/events/1235031446613439/>. Acesso em 12 de maio de 2017.
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*Membro da Solta Cia de Teatro (Cuiabá – MT), Bacharel em Artes Cênicas (UNESPAR-FAP, Curitiba – PR 2014), Aluno especial da disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes na Cidade do programa de mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT, Cuiabá – MT 2017).
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*Membro da Solta Cia de Teatro (Cuiabá – MT), Bacharel em Artes Cênicas (UNESPAR-FAP, Curitiba – PR 2014), Aluno especial da disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes na Cidade do programa de mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT, Cuiabá – MT 2017).
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