O complexo arquitetônico da orla cuiabana
Spots publicitários turísticos em meio ao branding urbano.
Djalma Alves dos Santos.
A
produção deste texto tem fundamentação na disciplina Tópicos Especiais em
Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes nas
Cidades, ministrada pela professora Dra. Maria Thereza de Oliveira Azevedo (PPGEECCO-FCA/UFMT).
Durante
o percurso da disciplina esteve em pauta uma vasta problematização sobre todo o
processo de ocupação urbana, ou seja, a forma como as cidades são concebidas em
sua composição arquitetônica.
Diversas
chaves de discussões e possibilidades teóricas e metodológicas, com uma vasta
bibliografia sobre os temas avançaram frente a questões como as formas de
operação do capitalismo, busca de outras formas de estar no mundo, caminhar com
objetivos estéticos, gêneros artísticos da paisagem das grandes cidades, e
demais temas afins.
Há
inúmeras definições para o conceito, ou os conceitos de cultura. Na essência
capitalista o objetivo do ultrapassa seus limites, chegando a mais valia,
criando indivíduos normalizados que permeiam pela industrialização da cultura.
O objetivo e desenvolver um processo de massificação cultural, onde a
subjetividade perde seu espaço. Esses conceitos resultantes do processo de
colonização e da chamada modernidade européia-norte-americana são
essencialmente etnocêntricos.
No
entanto novas formas de mundo e construção de conhecimento têm crescido nos
últimos tempos, cruzando fronteiras do pensamento em relação às ciências sociais,
buscando sua autonomia. Isso tem refletido significativamente sobre a realidade
cultural e política da América Latina, apontando para uma nova de entendimento
da modernidade.
O
processo de globalização tem sua base em construção histórica, com uma seleção
de acontecimentos que marcaram o contexto europeu: Reforma Protestante,
Revolução Industrial e Francesa, Estado Nação, Razão e Individuo. Esse processo
eurocêntrico visto como uma única perspectiva epistemológica sobre a
modernidade e colonialidade precisa ser rompido, abrindo novas diretrizes para
a geo-história Latino Americana. Isso se caracterizaria como uma “descolonização
epistemológica”.
Esse
breve resumo tem por objetivo contextualizar o foco central deste texto, em sua
esfera cultural, abordando as possibilidades de falar sobre mundo e
conhecimento de outro modo. O capitalismo contemporâneo traz a tona suas
palavra signos e imagens. Considerando todos esses conceitos seria então
possível construir um imaginário econômico capaz de não se subjugar ao
neoliberalismo.
A intervenção urbana como um tipo tático-lúdico
Em
certas tardes nós subíamos
Ao
edifício. A cidade diária,
Como
um jornal que todos liam,
Ganhava
um pulmão de cimento e vidro.
A
água, o vento, a claridade,
de
um lado o rio, no alto as nuvens
situavam
na natureza o edifício
crescendo
de suas forças simples.
(João
Cabral de Melo Neto: poesias completas, Rio de Janeiro, Sabiá, 1969).
Todo
projeto arquitetônico ao longo da História da formação das cidades emerge da
consciência do projetista na busca de uma representação gráfica. Nesse contexto
se estabelece um dialogo entre o profissional, o cliente e o construtor. No
entanto nessa divisão de especialidades surge também outros conceitos de
linguagem, representação e interpretação semiótica nos processos das
construções arquitetônicas. De maneira particular, a semiótica, por exemplo, se
ocupa de estudos que desenvolvem conceitos para a interpretação dos modelos de
ocupação urbana, sua interpretação, comunicação, valor histórico, cultural,
estético e significados. Frente a esses conceitos, a arquitetura enquanto
ciência teria então como papel principal estabelecer relações entre os seres
humanos em meios às construções arquitetônicas, assim como com outras
representações.
Mas
analisando conceitos da semiótica do poder, por exemplo, o que acaba
predominando, são sinônimos de grandezas que se fundamentam e se materializam
em elementos arquitetônicos não palpáveis, ou seja, “paratáticos”. As
composições de suas linhas criam fronteiras de poder, estabelecendo limites,
resultando em composição compartimentada. Essa perpetuação do poder pode ser
observada nas construções dos diferentes períodos da História: pirâmides
egípcias incas e maias, torres de igrejas, chaminés das fábricas e nos arranha
céus contemporâneos. Não há nesses espaços a possibilidade do indivíduo ser,
mas sim apenas estar.
É
possível, no entanto, diagnosticar inúmeras mudanças que nossa sociedade vem
apresentando nos últimos tempos, contextualizadas, sobretudo a partir das
décadas de 1960. Isso vem ocorrendo em virtude dos fracassos das instituições
políticas em um crescente quadro de descrenças, abrindo espaços para as
micropolíticas e suas subjetividades e suas práticas de intervenção urbana.
Essas manifestações não são exclusivamente de resistência à ordem política e
econômica vigente contemporâneos, mas na busca de novos significados subjetivos
estabelecendo laços de uma política afetiva de estetização e comunicação. Essa
busca de uma coesão social diante das técnicas publicitárias, uso do espaço
público por forças econômicas, que geralmente não encontram nenhum tipo de
resistência. Guy Debord definiu essa verticalização de poderes, com sua lógica
mercadológica, como um processo de colonização de todos os setores da vida,
onde todos são apenas meros espectadores de seus resultados.
Ainda
citando Guy Debord, onde ele define essa verticalização como a chamada
sociedade do espetáculo, composta por camada social restrita que acaba
ultrapassando suas fronteiras com a cultura do consumo em todos os espaços
públicos.
Nas
relações de poder, Michael Foucault, afirma que não há um único poder, e que
nenhum poder existe em si mesmo, mas que também se estende à todas as esferas
sociais, e vai se desenvolvendo nas práticas do cotidiano de uma sociedade em
constantes embates de resistência. As práticas de intervenção urbana não
objetivam necessariamente desenvolver conteúdos de críticas ideológicas e
práticas políticas, mas sim apontando a
possibilidade de uma prática política justa, frente aos paradigmas ético,
estético e político. Não há então possibilidade de universalizar nenhuma
prática nesse campo, onde tudo é político em esferas micropolítica e
micropolítica.
Frente
ao determinismo da subjetividade da economia capitalista neoliberal, Felix
Guattari, aponta a necessidade de proposições heurísticas em relação as
interferências urbanas, onde destaca que sua atuação somente em campos
representativos não são suficientes, onde a micropolítica alcança um domínio
amplo da vida social. Os pensadores americanos Best e Kellner reforçam ainda os
riscos das práticas culturais serem marginalizadas diante dos poderes
dominantes e ainda serem absorvidas pelas práticas da indústria cultural. Essa
possibilidade seria então possível diante das fragilidades das práticas
narcisistas, hedonistas, esteticistas ou apenas de uma simples terapia social.
Um
outro detalhe abordado por Ricardo Rosas trata das intervenções que possuem
objetivos políticos hibridizados evolvendo vários segmentos do conhecimento
como arte ciência e política, com temáticas que podem também estabelecer um conceitos de
ordem, não definindo claramente seus objetivos. Essa prática também fragiliza
os movimentos tornando-se um alvo fácil para o sistema dominante.
A
concepção do sujeito enquanto pertencente a realidade social se manifesta em
diversas linguagens como forma de participação e expressão: oral, corporal e
outras materialidades culturais. No espaço urbano a participação se da através
de uma subjetivação que leva a um sentimento de pertencer ao meio de forma individual
ou coletiva. Nesse sentido compreende-se a vida urbana como um produto coletivo
que pode ser compartilhado, onde o corpo é a materialidade desse contexto. No
entanto o que acaba ocorrendo nos espaços urbanos é não inserção do indivíduo
ao meio de forma reconhecível, mas sim a presença do branding urbano a serviço
do consumo de massa.
Depois de
toda essa leitura, a citação a seguir, da ação de um grupo em Belo Horizonte,
terá por objetivo estabelecer uma ligação com a intervenção urbana temporária
realizada pela turma na Orla Cuiabana.
“Se
o espaço é público por que não retomar criticamente os espaços que tem sido
usado para vender lixo, propagar preconceitos e gerar mais lucro para os
malditos milionários da TV? A rua é publica, e esse espaço também deveria ser.
Use-o para as reais necessidades das pessoas, não para o interesse financeiro
de poucos”.
A
atividade de intervenção urbana realizada se desenvolveu com o slogan “Cuyaverá
Magic Oeste World”. As proposições para essa forma de intervenção corporal e
com uso de outras formas de linguagem, como fotos e cartazes partiram das
observações sobre as formas de como a realização das obras ás margens do Rio
Cuiabá foram executadas. A implantação do projeto desconsiderou completamente
os casarões históricos da cidade em ruínas, assim como a vegetação presente as
margens do Rio. As palmeiras imperiais com imponência de tamanho não estabelece
nenhuma harmonia estética e de algum bem estar.
A
estetização arquitetônica assume um papel de representação do período histórico
colonial. Visualmente atraente, acaba servindo apenas para fomentar uma
atividade turística limitada a uma fachada fictícia, quase que em uma espécie
de Projac no cerrado de Mato Grosso.
Objetivamente
essa discussão não se encerra por aqui. Pontuações relacionadas aos mais
diversos temas e formas de intervenções urbanas temporárias poderão continuará
diante das complexidades do processo de urbanização e das possibilidades de
vivenciar o espaço público. Esse processo naturalmente trará sempre novas
demandas sistemáticas para serem debatidas.
Djalma Alves dos Santos.
Graduado em História, artista plástico e designer de móveis em marchetaria.
Aluno do mestrado do ECCO 2017.
Djalma Alves dos Santos.
Graduado em História, artista plástico e designer de móveis em marchetaria.
Aluno do mestrado do ECCO 2017.
Referencias bibliográficas
GUATTARI, Felix(1992). Caosmose: um
novo paradigma estético. Rio de Janeiro: editora 34.
KLEIN, Naomi (2002) . Sem logo: a
tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record.
ROSAS, Ricardo (2006). Notas
sobre o coletivismo artístico no Brasil.
PIGNATARI, Decio (1927).
Semiótica da arte e da arquitetura. 3º
edição. Cotia SP. Ateliê Editorial. 2004.
MAZETTI, Henrique Moreira.
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