Por: Heidy Bello Medina
Fantasia. Há um ar de fantasia na cidade contemporânea.
Os projetos de modernização dos espaços públicos presentes no planejamento
urbanístico capitalista, pensados para o turismo cultural, colocam a cidade
como mercadoria. O empreendimento urbano parece transformar não somente os
lugares em grandes cenários, mas para além propiciar na cidade uma experiência
imaginada, espetacularizada, que gera outras dinâmicas dos corpos estabelecendo
uma relação com a comunicação digital num ambiente de sensações paralelo.
O presente texto visa refletir sobre a intervenção urbana
Cuyaverá Magic Oeste World: um porto de
fantasia tendo como base a construção de uma situação que permite pensar na
forma como é gerada uma cidade performativa onde também é possível
performatizar.
Introdução
Durante a matéria “Atrações Temporárias e Estéticas
Emergentes nas Cidades” do Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea
(ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso se pensou na organização de uma intervenção
urbana a ser realizada em Cuiabá.
Geraram-se debates que aguçaram o olhar sobre a
cidade, trazendo discussões sobre fatos recentes como a controvertida “revitalização”
da Praça Alencastro[1] e as dinâmicas culturais geradas
após a inauguração de outros espaços como o Parque Tia Nair e o Parque das Águas
como cenários dados para a espetacularização da cidade.
No decorrer de várias sessões se compartilharam apreciações,
depoimentos e afetos dando como resultado a criação de uma situação que apontasse
construir simbolicamente um reflexo das ações do urbanismo atual para criticar
e subverter a forma como estas tentam pasteurizar a experiência urbana por meio
do espetáculo. A criação do mundo de fantasia faz tempo deixou de estar
exclusivamente a cargo dos parques temáticos.
Ir à Deriva é achar um rumo
O Coletivo à
Deriva nasceu em 2009, a partir da experiência de aula da disciplina
mencionada no PPG ECCO-UFMT, e tem realizado diversas intervenções em alguns espaços
de Cuiabá. A “Deriva”, promovida pelo presituacionista Ivan Chtcheglov, propõe estabelecer
uma relação ativa que possibilite a invenção e exploração da cidade (ARDENNE,
2006).
Posteriormente, a Internacional Situacionista (1957-1972),
movimento liderado por Guy Debord, criticaria o que eles consideravam como "pasteurização
da vida cotidiana", propondo uma apropriação do espaço urbano.
Em relação com
a deriva (andar sem rumo), Debord e seus amigos consideraram a criação
do conceito de “construção de situações”
com o intuito de pensar em práticas e procedimentos que acordassem novas paixões
numa cidade padronizada, à procura de uma geografia emotiva para além das
formas. Desta maneira arte ia ao encontro da vida, considerando o cotidiano e gerando
uma ruptura na arte moderna (JACQUES, 2003).
No sentido da ligação arte-vida, Paul Ardenne (2006) ponderou
a arte contextual como uma série de expressões artísticas que diferente da arte
tradicional, se deslocam do museu e adquirem um caráter ativista in situ. Dentro do marco da arte
contextual, a obra trata diretamente da realidade, pensando na apresentação mais
que na representação.
O lugar da fantasia
A situação contruída através de Cuyaverá Magic Oeste World foi
concebida dentro de um período de tempo concreto: o aniversário número 298 da fundação
de Cuiabá. O local selecionado foi o a orla do Porto, revitalizada e
reinaugurada em dezembro de 2016. O lugar despertou um interesse particular graças
à instalação de fachadas de coloridas casas que remitiam a pensar no centro
histórico da cidade. Enquanto, paradoxalmente, as casas localizadas no centro histórico
estavam abandonadas.
Alguns dos participantes do Coletivo mencionaram a forma como nesse espaço se gerava uma forma
de performance. A fachada, atrativo principal da obra realizada, tinha sido
disposta para as pessoas irem, tirarem fotos e publicarem nas redes sociais,
tinha sido convertido numa espécie de castelo de Walt Disney World. Daí que seu
nome tente remeter ao conceito do famoso parque estadounidense.
Michail Heim (HEIM, s.d. Apud CANEVACCI, 2004) refere-se
ao termo avacture para pensar a forma como as edificações são transformadas em
estruturas visuais que por sua vez geram avatares dentro das comunidades
on-line. Assim, diz se cria uma fusão entre os tijolos e os clicks (clicks with bricks). Deste modo, as
estruturas físicas são performativas sem fim (CANEVACCI, 2004). A cidade vira
cenário, um lugar para a performance acontecer.
Figura
1: Participantes do Coletivo à Deriva na
Cuiabá antiga da orla do Porto
Foto da autora
A situação contruída através de Cuyaverá Magic Oeste World foi
pensar visitar a orla como se fosse o mágico mundo de Cuiabá. Agir como se se
estivesse participando de um pacote turístico no qual as pessoas tirassem fotos
e interviessem o espaço como parte do espetáculo que sua estrutura propõe.
A performance permitiu
entrar no espaço para criticar assuntos da cidade como a arborização, que se
refere, entre outras, à mudança de árvores criadoras de sombra como as
mangueiras, por palmeiras que modificam essa visualidade da cidade que forma
parte da memória coletiva.
A partir da situação criada
os corpos se colocaram para explorar suas múltiplas sensorialidades, também dada
pela possibilidade de ter o avatar, como processo de mutação. Enquanto a cidade
é performática, nós inseridos nela, nos performatizamos também.
Referências
ARDENNE, Paul. Un arte contextual: creación
artística en medio urbano, en situación, de intervención, de participación.
Murcia Cultural, 2006.
CANEVACCI, Massimo.
Metrópole comunicacional. Revista USP, n. 63, p. 110-125, 2004.
COLOSSO, Paolo. Entrevista
com Otília Arantes: mediações entre Teoria Crítica, Arquitetura e cidades. PARALAXE
ISSN 2318-9215, v. 2, n. 1, p. 99-119, 2014.
JACQUES, Paola Berenstein. Breve Histórico da
Internacional Situacionista–IS. Arquitextos: texto especial, v.
176, 2003.
[1] Ver publicação sobre a derrubada
das árvores dada no marco da reforma ao espaço urbano, disponível em: http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=432817¬icia=prefeitura-corta-flamboyant-antigo-para-poder-revitalizar-praca-alencastro
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