Intervenção
Artística Orla do Porto
Elina Padilha
Fernandes
A
Orla do Porto (hoje assim denominada) sempre foi pra mim, desde a minha
infância, a “Avenida Beira Rio”. Nos
idos dos anos 80 e 90, foi um ambiente corriqueiro a mim e a minha família,
pois, o mercado do Porto era parada obrigatória nos finais de semana para a
compra de peixes, carnes e verduras (mercadorias comumente comercializadas no
mercado naquela época). Enquanto meus pais seguiam para o interior do mercado e
às suas barraquinhas adjacentes, eu os aguardava no carro, e muitas vezes pelo
calor e a demora deles, saía do carro e ficava a observar o rio, suas margens,
uma prainha do lado oposto, no município de Várzea Grande e os casebres de
papelão e maderite dos comerciantes que ali se instalavam. A margem era repleta desses casebres,
famílias inteiras que moravam nesses barracos transformaram a margem do rio
Cuiabá em um verdadeiro bairro.
Com
um olhar ingênuo e despretensioso diante daquela realidade, todos os meus
sentidos eram estimulados, pois, além das imagens observadas, outras
características influenciavam essa percepção, o odor era intenso, uma mistura de
cheiro de peixe, temperos e esgoto que corria a céu aberto, os sons eram quase
ensurdecedores, feirantes em plenos berros para chamar a atenção dos
transeuntes, buzinas de carros, cachorros latindo ansiosos por uma lasca de
peixe que eram limpos ali diante de todos e um falatório sem fim..., tais
lembranças permanecem vivas ainda hoje, pois fizeram parte de uma infância
plena desses momentos, que somente quem viveu poderia descrever.
Por
isso o meu primeiro olhar para a Orla do Porto sempre será o olhar de uma
cuiabaninha que frequentava esse ambiente assim descrito e que o guarda na memória
com muito afeto.
No curso de Pós-graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea - UFMT, na disciplina Tópicos
Especiais em Poéticas Contemporâneas II: Atrações Temporárias e Estéticas
Emergentes na Cidade, na qual participo, uma proposta de intervenção
artística foi definida entre nós alunos, sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria
Theresa Azevedo, intitulada de: Intervenção Urbana - Cuyavera Magic Oeste
World - Um porto de fantasia e ilusão? Essa interferência artística
ocorreria na Orla do Porto, que de acordo com a proposta, nós assumiríamos
papéis de turistas visitando o agora então Cartão
Postal da cidade de Cuiabá, que mais surge como cenário de visitação
pública e de propaganda política.
Foi uma experiência que me remeteu
àquelas lembranças descritas, pois estava novamente naquele lugar outrora tão
diferente e que atualmente apresenta-se perante todos em uma configuração cenográfica,
um cenário que sugere de forma muito sintética os antigos casarões cuiabanos, criando
uma ilusão com o objetivo de remeter quem por lá passa, para o centro histórico
cuiabano, onde os verdadeiros casarões se apresentam em verdadeiras ruínas,
deixados à própria sorte pelo poder público.
Tal
circunstância me levou ao enfrentamento desse olhar de apreço que até então se
conservava em evidência em minha memória, fui obrigada a abandonar tais
lembranças, pois, assumindo o papel de pesquisadora que me foi atribuído no
decorrer da disciplina, tenho a função de estabelecer uma visão crítica, pois,
cabem aqui reflexões, análises e argumentos.
Foi difícil confesso não misturar a
questão afetiva com a visão analítica durante a ocasião, partindo dessa
questão, concluí que toda intervenção artística é problematizadora, atuações e
discussões são abertas e debatidas, pois a mesma incide a partir de um
contexto, o que nos leva a ponderar sobre a Arte Contextual, o artista
contextual abandona os espaços “sagrados e emblemáticos do poder econômico,
como as galerias de arte e museus e logo vão para as ruas e espaços públicos,
ou outro lugar que permita escapar dessas estruturas instituídas” (SANCHES;
NAVARO, 2002).
A arte contextual opta por estabelecer
uma relação direta, sem intermediários entre a obra e a realidade, ela não
concede a leitura de primeira vista de um signo ou símbolo, mas de uma
realidade vivida, propondo experiências, polemizando, levando a posturas
incoerentes, inesperadas, subtraindo do expectador uma dita realidade.
Essa intervenção que realizamos na Orla
do Porto, permitiu aperfeiçoar tal conceito, porque tinha como pano de fundo um
protesto a essa “maquiagem” que a prefeitura de Cuiabá produziu nesse espaço
urbano emblemático da nossa cidade, encarnamos turistas “fakes”, para chamar a
atenção de quem passava por lá, e a nossa atuação começou com um convite via
redes sociais para esse evento, através dessa mídia recebemos críticas pelo
nome do evento, o que para nós foi um ponto positivo, muitos questionaram o
porquê de um nome estrangeiro para um evento que ocorreria aqui em Cuiabá,
enfim, gerou questionamentos, chamou a atenção de muitos e causou o impacto que
desejávamos.
Essa era nossa intenção, a intervenção
contou com imagens de árvores frondosas que permitiam o sombreamento do local,
que já não estão mais lá e que foram substituídas por altas palmeiras, as quais
jamais cumprirão a função de conferir sombra para quem lá visita, imagens de
casarões do centro histórico de Cuiabá em ruínas diante da imagem cenográfica,
por coincidência a principal emissora de TV do estado estava na Orla durante o
andamento da intervenção, em nenhum momento declaramos a nossa atuação, e o
mais interessante foi notar que fomos encarados como verdadeiros turistas
diante do cenário da Orla do Porto, vários colegas foram entrevistados e
assumiram seus papéis de atores, numa atuação onde o contexto definiu a nossa
performance.
Acredito que essa intervenção teve grande
efeito em mim, sendo a agente da obra de arte, minha percepção enquanto
pesquisadora tornou-se mais crítica diante de realidades que até então passavam
despercebidas, um véu de afeição e romantismo foi retirado diante dos meus
olhos, posso agora compreender melhor o contexto da minha cidade, suas
transformações e em que isso implica para todos.
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