sábado, 20 de maio de 2017

Cuyaverá Magic Oeste World- Um Porto de Ilusões


Performance artística/poética/política na Orla do Porto de Cuiabá, MT

Ana Lia Rodrigues
Fotos da autora

Durante o primeiro semestre de 2016 realizamos na disciplina Seminário Avançado de Grupo de Pesquisa (Artes Híbridas, Intersecções, Contaminações e Transversalidades): Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes na Cidade do Programa de Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT debates sobre experimentos na cidade, errâncias e deambulações, corpografias urbanas, processos colaborativos e manifestações cênicas-performáticas, e empreendemos uma performance, enquanto pesquisadores oriundos de diversas áreas artísticas e culturais, interessados em perceber e registrar a dimensão de decisões da política cultural, apoiada por setores da mídia local – como veremos –, na recente ação da prefeitura de Cuiabá chamada “Requalificação do Porto”.

Lilian Amaral (2013), sobre a transformação simbólica dos espaços urbanos a partir da ação performativa, diz que é necessário praticar o lugar, real e imaginário individual e coletivo público e privado, material ou existencial, explorar locais potencialmente instigantes que legitimem intervenções. A escolha pela Orla do Porto como local de intervenção aconteceu diante do incômodo com relação à obra de revitalização do local, (re)inaugurado em dezembro de 2016 pela prefeitura da Cidade. As críticas recaíam principalmente sobre o cenário de casarões, às árvores que ornam a orla e quanto à durabilidade e custo da obra.

No centro histórico de Cuiabá há muitos casarões abandonados que não contam com fomento para o reparo, mas o projeto chamado de “requalificação do Porto” preferiu construir uma fachada falsa desses casarões, preferiu ornar a orla com palmeiras ao invés de preservar e aproveitar as sombras das árvores nativas.
Fachada cenográfica e os verdadeiros casarões deteriorados que temos que engolir
Foi justamente a ideia do fake que batizou a intervenção: Cuyaverá Magic Oeste World. Fazemos alusão ao mundo Disney, às verdades criadas como mundo perfeito de princesas e felicidades para sempre. Cuyaverá, nome de origem indígena para falar das raízes, Magic palavra inglesa que significa magia, ou seja, irreal, Oeste para localizar geograficamente, e World, mundo em inglês, para remeter a Disney World, ou seja, a um parque de diversões.

A proposição se inicia com um pacote turístico, um evento criado no facebook convidando para um passeio por este mundo mágico. Brincamos com a linguagem do turismo, com as iconografias regionais, a vegetação, os animais do pantanal, a culinária com tom de ironia. Uma vez criado o evento no facebook, estava criada a ficção:

(...) Primeira parada – Flora típica destaque as palmeiras imponentes.
Durante visitas aos locais de caminhada e ciclovia vamos explorar a vegetação típica com destaque as palmeiras na paisagem revitalizada. Parada para foto na sombra das palmeiras.
Segunda Visita – Protótipos de Casarões antigos 
Já na orla do porto visitaremos uma fachada de casarões magnífica repleta de histórias e simbologias! (...)

A caracterização da excursão aparecia na camiseta que os artistas/estudantes usavam estampando nossa logomarca; criamos exclusivamente para o evento. Havia um display com típicos turistas, para tirar fotos, um jacaré em forma de boné, e a sempre feliz imagem da nossa mascote a nos acompanhar. As plotagens das mangueiras estavam inseridas nos clicks ali feitos, como se fossem aquele elemento que faltava, como a pessoa que não veio. Também as sombrinhas, marca do Coletivo à Deriva, se fizeram presentes pela ausência das sombras reais, mais uma evidência da inadequação do ambiente dentro da proposta pública. 
A turista, as palmeiras, a mangueira (in memoriam), a sombrinha e olha a foto!
Inserir a cabeça no display dos bonecos turista simboliza o espaço oco que se ocupa quando se reproduz os modelos prontos de entretenimento vendidos como promoção. O padrão é reforçado no click que circula nas mídias digitais. Turismo é então um espetáculo, reforça a relação do turista como mero espectador do espaço. Para Lilian Amaral, a cidade espetáculo se distancia cada vez mais da experiência urbana, da própria vivência ou prática da cidade (AMARAL, 2013, p. 3628). 
O espaço vazio por trás das imagens prontas e a foto para postar nas redes sociais
A vida da cidade está mais ligada à experiência e significação que se denota a ela do que o cenário que se constrói na mesma. Alguns dos nossos colegas lembravam como foram felizes quando nadavam na Orla do Porto, em tempos atrás, quando eram crianças, e que hoje, com todo dinheiro gasto nas obras de “revitalização” a Orla parece mais morta.

 Os praticantes da cidade, como os errantes urbanos, realmente experimentam os espaços quando os percorrem, e assim lhes dão corpo, e vida, pela simples ação de percorrê-los. Uma experiência corporal, sensorial, não pode ser reduzida a um simples espetáculo, a uma simples imagem ou logotipo. A cidade deixa de ser um simples cenário no momento em que é vivida, experimentada. (AMARAL, 2013, p. 3630).

No dia da intervenção, dia 08 de abril, aniversário da cidade, a equipe da TVCA, filiada a Globo Cuiabá, buscava entrevistar turistas que usufruíam da Orla. Uma das nossas “excursionistas”, que por acaso é colombiana foi entrevistada pela TV. Porém, não era exatamente uma turista comum. Deu pra perceber o incômodo do repórter quando ela disse que faltavam água e sombra na orla. Será que ele esperava que dissesse que achou tudo ótimo e maravilhoso? 
TVCA entrevista turista integrante do Cuyaverá Magic Oeste World no dia do aniversário de Cuiabá.
Outro momento interessante da nossa ficção ocorreu quando estudantes, para um trabalho de pesquisa na Orla, entrevistaram nossa colega que simulou ser uma italiana, com sotaque e tudo, e se dizia impressionada com o local, simulou gostar das mangueiras que ali estavam. A provocação levou a respostas: “Ah, não são mangueiras, não, são palmeiras!” puderam perceber as estudantes.
Cuiabana turismóloga, professora, pesquisadora se passa por turista italiana e encanta estudantes ao dar entrevista.
Para Bom-Tempo (2015), a fabulação vai colocar em questão a potência de falsear o ordinário tido como normal, ao se criar uma zona de indeterminação entre o verdadeiro e o falso se abre para a sensibilidades e experimentações produzidas pelas artes.

O “Olé” na Imprensa, a criação de sentido da intervenção a partir do falso como gerador de uma potência artística foi um dos pontos altos da intervenção. Foi devolver na mesma moeda toda a falsidade que muitas vezes a mídia nos empurra goela abaixo, o lodo engarrafado maquiado em embalagens descartáveis em cujo rótulo há uma palmeira imperial e o slogan “Beba chique”. Essa mesma garrafa vai boiar no rio Cuiabá e vamos assistir sorrindo da Orla do Porto, enquanto alguém também engarrafado pela mídia canta no show pago com dinheiro público. Talvez isso nos faça esquecer que as descredibilizadas obras públicas desse país comumente indecentemente superfaturadas saem de nossos próprios bolsos. Continuam a aprovar novas obras com esse propósito na orla da Grande Cuiabá. A ideia é ter mais um lugar bonito pra ver o rio poluído a correr?
Deságue de esgoto no Rio Cuiabá na Orla do Porto.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Lilian. Geopoética: Cartografia dos sentidos. 22º Encontro Nacional ANPAP 2013 Ecossistemas Estéticos Belém Pará Disponível em <http://www.anpap.org.br/anais/2013/ANAIS/simposios/09/Lilian%20Amaral.pdf>

BOM-TEMPO, Juliana Soares. Arte como experimentação: fabulação e a potência do falso na criação de outros mundos. ALEGRAR - nº16 - Dez/2015 - ISSN 18085148 disponível em <http://www.alegrar.com.br/revista16/pdf/sessao8_arte_como_experimentacao_bomtempo_alegrar16.pdf >

Pacote Turístico Cuyaverá Magic Oeste World, pg Facebook Disponível em: https://www.facebook.com/events/1235031446613439/

BERENSTEIN JACQUES, Paola Corpografias Urbanas. IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil, 20




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