domingo, 21 de maio de 2017

Orla do Porto: Cuiabá espetáculo?

André Francisco Sontak de Morais

Quando o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedade periférica lhe escapava; quando era difuso, uma pequena parte; hoje, nada lhe escapa.
Guy Debord


Este ensaio é resultado da disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas: Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes nas Cidades, do Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), ministrada pela profa Dra Maria Thereza Azevedo.  O texto busca refletir sobre a intervenção urbana “Cuyaverá Magic Oeste World”, tendo como ponto de partida o conceito de “espetacularização urbana”.

Visitar o espaço da Orla do Porto é sempre um espetáculo de encher os olhos, daquilo que se vende/compra como mercadoria, então, porque não criar um pacote turístico para visitar a Orla do Porto em Cuiabá? Assim surgiu o Cuyaverá Magic Oeste World, um pacote turístico para conhecer a capital do Pantanal.



Logo Cuyaverá Magic Oeste World

A rede social Facebook foi uma ferramenta potente de propagação do pacote turístico Cuyaverá. Na página do evento no Facebook foi disponibilizado a logo (que buscou se inspirar no material gráfico dos parques temáticos da Disney), o mascote (que trouxe a imagem da onça pintada) e a descrição detalhada do roteiro turístico:


Roteiro Cuyaverá Magic Oeste World

 É visível a utilização do humor/ironia no roteiro do Cuyaverá como crítica aos diversos processos de “disneylandização” do espaço urbano, refletindo sobre propostas de construções de espaços públicos sem a participação da população em suas formulações. Assim, a negação das singularidades locais como referência para a criação dos espaços de convivência tende cada vez mais ao movimento de espetacularização das cidades, que se tornam receptáculos de turistas e obrigam a própria população local a se mudarem para bairros periféricos, devido ao movimento de gentrificação (valorização financeira de uma região e consequentemente o aumento do custo de vida, dificultando a permanência de antigos moradores). Dentro deste contexto de espetacularização é possível ver claramente a cidade como produto, que Jacques define como sendo a “cidade-mercadoria”:

A competição local por turistas ou empreendedores estrangeiros é acirrada. As municipalidades se empenham para melhor vender a imagem de marca da sua cidade, em detrimento das necessidades da própria população local, ao privilegiar basicamente o visitante, através de seu maior chamariz: o espetáculo. O patrimônio cultural urbano passa, assim, a ser visto como uma reserva, um potencial de espetáculo a ser explorado (JACQUES, 2003, p. 01).

Desta forma, promover e vender são as principais preocupações deste espetáculo contemporâneo, sem se preocupar com as necessidades locais, que neste caso procuramos destacar, com muito humor, no roteiro turístico do Cuyaverá Magic Oeste World. Uma delas que evidencio neste texto é a palmeira imperial. Isso mesmo, aquela palmeira enorme, bonita, importada e que não faz sombra.


Palmeira Imperial
Foto: Ana Lia Rodrigues

A foto da mangueira que fixamos na palmeira como parte da intervenção, tece uma crítica sobre a arborização realizada no espaço da Orla do Porto. As palmeiras não produzem sombras, a única utilidade é justamente a do espetáculo, embelezado para vender.  O modelo do espetáculo, que beneficia o turista em detrimento da necessidade local, privando a população da sombra, extremamente necessária na cidade de Cuiabá, que devido ao clima tropical possui uma sensação térmica elevada de calor.
A intervenção urbana Cuyaverá Magic Oeste World propôs refletir sobre problemas estruturais no espaço da Orla do Porto de Cuiabá. Problemas que afastam a população local e inutilizam o espaço por falhas na execução do projeto. Pensar e vislumbrar soluções foram propostas da intervenção urbana. A cultura e participação da população precisam ser determinantes no planejamento destes espaços públicos, só assim serão criados verdadeiros espaços de lazer e convivência.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 [1967].
JACQUES, Paola Berenstein; BRITTO, Fabiana D. Corpocidade: Arte enquanto micro-resistência urbana. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21 – n. 2, p. 337-350, Maio/Ago. 2009.
JACQUES, Paola Berenstein. Patrimônio cultural urbano: espetáculo contemporâneo. Cadernos PPGAU – UFBA, v.6 – n. 1, p. 32-39. 2003.

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