segunda-feira, 15 de maio de 2017

Orla do Rio para esquecer Cuiabá?





Alessandro Flaviano de Souza

Era aniversário de Cuiabá, 8 de abril de 2017. Comemoravam-se seus 298 anos de existência, na Orla do Rio Cuiabá revitalizada por uma benfeitoria da Prefeitura Municipal na gestão Mauro Mendes. A Orla foi inaugurada no dia 22 de dezembro de 2016, antes mesmo de ser entregue, que, transcorridos quatro meses, encontra-se em vias de ser embargada por apresentar problemas estruturais. Nesta data, no mesmo local, vivenciou-se uma experiência questionadora através da arte intervencionista resultado de deliberações sobre a disciplina Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas: Atrações Temporárias e Estéticas Emergentes na Cidade. Com o objetivo de questionar e prover questionamento e posicionamento crítico para aqueles que tenham contato a intervenção. Questiona-se o "Fake", o falso, o ilusionismo, o “faz de contas”, cosmetizando e ritualizando a percepção dos que vivem e vistam a cidade.

Tem havido um esforço muito grande para a cosmetização urbana da capital num movimento destacado para retirar as pessoas do centro e das ruas dos bairros para dentro dos parques. Cosmetizar, aqui, quer dizer embelezar a superfície. Locais com investimentos sempre vultosos com a colocação de dinheiro público e contrapartida de empresas que exploram algo na cidade e arredores. Por exemplo, o Parque Mãe Bonifácia aconteceu como contrapartida das empresas Odebrecht, Servix e Pesa pala construção da Usina Hidrelétrica de Manso, no rio Manso principal afluente do Cuiabá, em Chapada dos Guimarães. Porém, esse parque é uma obra não concluída e representa um terço do acordado entre setor público e privado.

A revitalização realizada veio numa sequência de criação de parques na capital. Parques construídos para a circulação de pessoas em exercício físico, piqueniques e passeios. Na Orla do Rio Cuiabá outro passeio foi dado pelos contratos entre o poder público e fornecedores de serviços. Foi uma saraivada aos cofres públicos de R$ 16 milhões em 1.350 metros de obra. Mas tudo bem, nem alcançou os R$ 18 milhões do Parque das Águas. A fonte destes dados é a Prefeitura Municipal de Cuiabá no site <http://www.cuiaba.mt.gov.br/>, em projetos. Fala-se de uma cidade nova e menos arborizada, cada vez menos “Cidade Verde”. Seriam as palmeiras as vilãs que ocupam o espaço de arvores tradicionais e nativas do rio Cuiabá? Será que a diferença em milhões entre essas duas obras é o lago? Ou será que o espetacular, que enche e encanta os olhos, seja o responsável por contas tão altas? Não se trata de mera crítica. É preciso ter claro o que acontece quando a população não questiona e não fiscaliza aquilo que é dito ser feito para ela. Estas juntam-se às questões de Lazzarato (2006) "O que é uma sociedade? Em que consiste este estar junto de diferenças irredutíveis?". Em que explica que viver em sociedade significa "estar junto", esse ato passa por um jogo de "possessão recíproca" no qual através das emoções todos pertencem a um e vice-versa.

Daí, questionamentos florescem sem cessar: porque tanto dinheiro para a revitalização, já condenada, da Orla do Rio tendo um centro histórico lindo e completamente depredado? Há a necessidade de ceder aos interesses de empresas como Odebrecht, Servix e Pesa quando deveriam prestar serviços reais à população pelos impactos irreversíveis à natureza, já passados 18 anos da instalação da hidrelétrica e de outros 16 anos de parque Mãe Bonifácia, que ainda encontra-se incompleto? Por quê? O cenário hollywoodiano reproduzindo ou tentando modelizar culturalmente o casaril antigo da cidade não teria engolido dinheiro demais que poderia estar empregado na revitalização do centro e do casaril original?

No contra ponto dessas informações está o embelezamento de um lugar empobrecido. Desta forma, há menos um lugar para mendigos e drogados uma vez que lá há luz. O homem lento, segundo o autor Milton Santos (Apud JACQUES, 2008), é aquele mais pobre que vive literalmente a cidade por não ter outra opção. Os novos espaços vêm expropriando o ato daquele que vivencia assim a cidade. Contudo, as secretarias de segurança pública de todo o país já identificaram que essas pessoas e também o crime não são expulsos e não somem, migram dentro da cidade para outras áreas ou para outras cidades. Também, soma-se uma necessidade comunitária de vivenciar experiências em opções gratuitas de lazer, que é atendida pela existência de parques e pela Orla e lugares onde se queira estar. No entanto, precisaria ser dessa forma, ou seja, abnegar da revitalização e conservação do patrimônio histórico e cultural da cidade? Talvez o centro, os locais de bairros antigos e tradicionais, as praças, os pontos turísticos, não seriam investimentos mais apropriados para que se queira estar nesses lugares?

Perceba que não há ingenuidade nestas perguntas, trata-se de promover uma reflexão sobre a cultura de massa que para Guattari (2005) esta é o pano de fundo do que é dado como certo pelo sistema que orienta a sociedade, nas palavras do autor "é o elemento fundamental da 'produção de subjetividade capitalista'". O ponto central é como se organizar para a discussão e resistência frente à ação política empoderada como poder público na utilização de recursos comunitários. Entenda-se comunitários como aqueles que vivem e compartilham formas de existir na cidade. Também que as contas tornam-se altas não somente pelo número em espécie, mas principalmente pelos impactos à natureza, pela degradação dos espaços tradicionais e sua transformação em cenários, pela ritualização do viver a cidade em parques abandonando sua cultura. Lembrando que para Canclini (2008) a cultura não é tão importante quanto o cultural, justamente porque ela está em processo. Assim, torna-se um equívoco olhar para os locais antigos da cidade como algo que já foi, nem a história, como área do conhecimento, crê no passado dessa maneira à beira do esquecimento.A conta é cara sim.

Aqui, firma-se a negação de crer que tais investimentos tenham corporificado o bem esquecer Cuiabá como ela era para ser suplantada pela moda dos parques e novos locais. Ou seja, para esquecer Cuiabá significa parar de olhar para a cidade real em troca de uma nova cidade enquanto corpo degenerado em sua fauna e flora local, sua vivência, sua cultura, de uma cidade mais ritualizada pelo espetáculo.



REFERÊNCIAS

CANCLINI, Nestór Garcia. Imaginários culturais da cidade: conhecimento/ espetáculo/ desconhecimento. In: COELHO, T. (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008.

GUATTARI, Félix. Micropolítica: cartografias do desejo/Félix Guattari, Suely Rolnik. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

JACQUES, Paola Berestein. Corpografias urbanas. IV ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura: Salvador/BA, 28 a 30 de maio de 2008.

LAZZARATO, Maurizio. As revoluções do capitalismo I Maurizio Lazzarato; tradução de Leonora Corsini. - Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

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