sexta-feira, 19 de maio de 2017

A orla do Porto e o senso comum nos cuibanos.


                                                                                                             Camila Barbosa Pasinato

A partir da experiência de intervenção realizada na Orla do Porto de Cuiabá-MT no dia oito de abril de 2017 com os alunos da pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso, procura-se investigar sobre as noções que permeiam o imaginário da população cuiabana quanto às novas obras de revitalização realizadas na cidade para o convívio urbano, como o Parque das Águas, Parque Tia Nair e a própria Orla do Porto.
O imaginário da população cuiabana pode ser considerado aqui como senso comum. Segundo Schütz (1979 p. 269) o conhecimento do senso comum da vida cotidiana é de onde tudo começou e deve começar “o fundo não-questionado, mas sempre questionável, a partir do qual o estudo passa a existir” (apud SOUZA, 2012, p. 17).
O senso comum é aceito como verdadeiro, pelo menos enquanto não existir razões para dúvidas, e é comumente compartilhado entre os membros de um grupo, fazendo parte das ações corriqueiras da sociedade, porém, dentro da perspectiva fenomenológica é considerado fragmentado e incompleto.
A necessidade de se criar um artigo sobre o senso comum da população cuiabana surgiu após comentários de pessoas próximas quando eram abordadas sobre o que pensavam sobre a intervenção na Orla do Porto. Alguns comentários criticavam a intervenção, pois segundo eles “ter a Orla era melhor do que deixá-la do jeito que estava anteriormente”. Tal comentário refere-se à situação anterior da orla, mal iluminada e território de muitos errantes, infelizmente ligados ao uso de drogas.
Tal comentário colocou em questão a forma como o cidadão entende a cidade e consequentemente sua política de organização e administração. Há que se dizer que nem todos os cidadãos entendem e corporificam as mudanças da cidade da mesma forma. Jacques (2008) relaciona o processo de espetacularização a uma diminuição da participação cidadã “quanto da própria existência corporal das cidades enquanto prática cotidiana, estética ou artística no mundo contemporâneo”. A autora complementa, que o processo da espetacularização está ligado ao empobrecimento da experiência na contemporaneidade.
Cabral (2005, apud Mazetti, 2006, p. 128) divide a população quanto à algumas práticas impostas:

As características próprias das atividades brasileiras podem ser
explicadas pela posição do país na periferia do capitalismo global. Assim, as
experiências e combates em relação à sociedade do espetáculo, a cultura do consumo
e da invasão do espaço público pela publicidade são tratadas de formas específicas e
se restringem a uma parcela mais restrita da população, que por sua vez, nem sempre
consegue extrapolar suas atividades para além do campo artístico e cultural.

A obra de revitalização da Orla do Porto possui 1.3 km de extensão e custou 16 milhões de reais, desses, cerca de 7 milhões partiram de uma empresa privada, o restante foi arcado pela prefeitura de Cuiabá. O projeto deveria ser entregue juntamente ao conjunto de obras para a Copa de 2014, mas só foi entregue no dia 22 de dezembro de 2016.
O que se coloca em questão no presente artigo é o que o cidadão pensa e faz a respeito de situações impostas ou fornecidas pelos órgãos responsáveis por nutrir a sua cidade, se há um questionamento ou se assumem uma postura passiva, de receptor apenas em meio ao senso comum, ou seja, o quanto do uso do poder público é realmente questionado pelo povo. Mazetti (2006), comenta a respeito da importância da intervenção urbana:

Os processos de comunicação verticais em que o receptor é submetido, mesmo que a contragosto aos desígnios do emissor são subvertidos nas práticas de intervenção urbana. À figura do espectador passivo, é contraposto um novo tipo de espectador, que não se resume ao âmbito da recepção, pois busca criar um diálogo com as informações que lhe cercam, de modo cada vez mais invasivo, no dia-a-dia. (MAZETTI, 2006 p. 126)

As obras recém entregues pela prefeitura seguem um padrão estético definido por Jacques (2008) como “branding urbano, ou seja, a reprodução em série da cidade-imagem de marca”.  Pode-se perceber isso através de alguns elementos que não combinam com o modo de vida da cidade de Cuiabá, com o clima ou sua vegetação.
            O branding urbano é um reflexo da própria espetacularização das cidades. Homogeneizados, a impressão que se tem é que os projetos de revitalização recentes como o Parque Tia Nair, Parque das Águas e Orla do Porto, são cópias de projetos importados de outras cidades, não se encaixando com a realidade cuiabana.
            No caso da Orla do Porto, optou-se, arquitetonicamente falando, pela plantação de palmeiras-imperiais em meio à extensão da orla e pela representação dos casarões antigos da cidade através de réplicas de madeira pintada, imitando os poucos que ainda resistem ao tempo e se encontram em uma boa condição, como a fachada do Sesc Arsenal por exemplo. As fachadas dos casarões antigos encontram-se a frente do rio, bloqueando a vista, sendo possível observar o rio somente se as pessoas entrarem pelas passagens que simulam as portas dos casarões.
Sente-se falta do questionamento da população cuiabana nesse sentido. Será que percebem as mangueiras e outras árvores nativas sendo substituídas por palmeiras? As rosas do deserto como elementos decorativos? O cimento no lugar das outras vegetações da cidade?
            Podem até perceber, mas não questionam por muitas vezes achar que não se trata de um problema deles, embora a cidade seja uma construção coletiva e a prefeitura a representação dessa coletividade. Parte desse posicionamento vem da postura do senso comum, que é muito confundido com a verdade absoluta, pois até entrar em questionamento, ou seja, até existir razões para dúvidas é tratado como uma verdade.

REFERÊNCIAS

JACQUES, Paola Berestein. Corpografias urbanas. IV ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura: Salvador/BA, 28 a 30 de maio de 2008.
MAZETTI, Henrique Moreira. Entre o afetivo e o ideológico: as intervenções urbanas como políticas pós-modernas. ECO-PÓS- v.9, n.2, agosto-dezembro 2006, pp.123-138
SOUZA, Márcio N. C. Algumas considerações sobre a sociologia de Alfred Schütz. Em Tese – Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC: v. 9 – n. 1– janeiro-julho/2012

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